Solto as páginas das agendas
libero os dias
embaralho semanas, meses, anos
modelo a massa do tempo que foi seu
– entre 1921 e 2011 –
um intervalo colossal
de eternidade humana.
Misturo minhas agendas
às suas extensões de branco
sobre branco
e reservas de futuros intactos
projetam-se
para além do fim dos tempos
que teve início
em trinta e um de dezembro
ou cinco de Tevet.
[Indiferente, a gata atravessa calendários
e adormece em maio de 1972.]
in: Ano Novo, Leila Danziger
Rio de Janeiro: Ed. 7Letras, 2016.
“Num texto merecidamente famoso,
Vilém Flusser diz que há os que se interessam pela neblina, onde as coisas mal se distinguem umas das outras, e os que se interessam por dissipar a neblina e dar a ver as diferenças que distinguem as coisas. Mas, quer se assuma esta ou aquela postura, o que não se pode negar é que tudo é neblina, ela é o nosso contorno espiritual, e simplesmente não há um fora da neblina. A memória, Eros, a morte, a tradição, a família, as agendas são pura neblina. Beijos? Neblina. O trabalho poético e em artes plásticas de Leila Danziger luta contra a neblina, sabendo que é a luta mais vã. Organizar a morte em carimbos, agendas, números, metros? A vida também? Por quê? Guimarães Rosa diria: para convocar uma negatividade.”
Carlito Azevedo, O Globo, 27/12/2014