“Num texto merecidamente famoso,
Vilém Flusser diz que há os que se interessam pela neblina, onde as coisas mal se distinguem umas das outras, e os que se interessam por dissipar a neblina e dar a ver as diferenças que distinguem as coisas. Mas, quer se assuma esta ou aquela postura, o que não se pode negar é que tudo é neblina, ela é o nosso contorno espiritual, e simplesmente não há um fora da neblina. A memória, Eros, a morte, a tradição, a família, as agendas são pura neblina. Beijos? Neblina. O trabalho poético e em artes plásticas de Leila Danziger luta contra a neblina, sabendo que é a luta mais vã. Organizar a morte em carimbos, agendas, números, metros? A vida também? Por quê? Guimarães Rosa diria: para convocar uma negatividade.”
Carlito Azevedo, O Globo, 27/12/2014
In a deservedly famous text, Vilém Flusser said that there are those interested in fog, where it is barely possible to distinguish one thing from another, and those eager to clear away the fog and display the differences that distinguish things. But whichever stance is adopted, there is no denying that everything is foggy, these are our spiritual surroundings, and nobody is out of the haze. Memory, Eros, death, traditions, families and diaries are pure fog. Kisses? Mist. The poetry and artwork of Leila Danziger battle against the fog, knowing that the struggle is utterly in vain. Organizing death in rubber stamps, diaries, figures, meters? Life as well? Why? Guimarães Rosa would say: to summon negativity.
Carlito Azevedo, O Globo, 27/12/2014
Solto as páginas das agendas
libero os dias
embaralho semanas, meses, anos
modelo a massa do tempo que foi seu
– entre 1921 e 2011 –
um intervalo colossal
de eternidade humana.
Misturo minhas agendas
às suas extensões de branco
sobre branco
e reservas de futuros intactos
projetam-se
para além do fim dos tempos
que teve início
em trinta e um de dezembro
ou cinco de Tevet.
[Indiferente, a gata atravessa calendários
e adormece em maio de 1972.]
in: Ano Novo, Leila Danziger
Rio de Janeiro: Ed. 7Letras, 2016.