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A trégua | 70 anos da liberação de Auschwitz

A trégua: setenta anos de libertação de Auschwitz (1945-2015)

Biblioteca Nacional, 27 de janeiro de 2015 (17:30)

“A primeira patrulha russa pôde ser vista do campo por volta de meio-dia de 27 de janeiro de 1945. (...) Eram quatro jovens soldados a cavalo (...). Parecia-nos, e assim era, que o nada atravessado de morte, no qual vagávamos fazia dez dias como astros esbatidos, tinha encontrado o seu próprio centro sólido, um núcleo de condensação: quatro homens armados, mas não armados contra nós: quatro mensageiros da paz, de rostos rudes e pueris sob os pesados capacetes de pêlo. Não acenavam, não sorriam, pareciam sufocados (...)". (Primo Levi, A trégua)

No mês de janeiro de 1945, o Exército Vermelho ocupou a região em torno da cidade de Cracóvia, na Polônia. No dia 27 do mesmo mês, um grupo de vanguarda chegou ao complexo de Auschwitz, a cerca de 60 quilômetros daquela cidade, já abandonado pelas forças alemães, marcando nesta data a libertação dos sobreviventes que ali restaram. O encontro entre soldados soviéticos e últimos internos vivos do campo de extermínio foi, de modo pungente, narrado por Primo Levi, em livro que dele recebeu o título de A Trégua. A obra, publicada em 1963, começa por descrever os últimos dias passados pelo autor na enfermaria do campo e, depois de longo périplo, termina com o seu regresso a Turim, sua cidade natal.

Homem cético e atento ao que viu e viveu no campo de extermínio, Primo Levi jamais poderia atribuir a seu livro um hipotético título tal como A Libertação. Aquilo que antes ele já nos havia revelado em É isto um homem? – uma narrativa sobre a vida em Auschwitz (e não apenas a morte) – impediu a adoção de qualquer inclinação otimista: depois de Auschwitz sobrevem não a liberdade, mas a trégua.

Não chega a ser, tão pouco, pessimismo. A escolha do título diz respeito à sombra projetada pela experiência do campo de extermínio sobre a posteridade. Uma sombra mesmo indelével: o campo não é algo que, uma vez desfeito em sua materialidade, cessa de produzir efeitos. O que resulta é, na melhor das hipótese, uma trégua; um hiato diante da sempre posta possibilidade do inaudito.

Muito se disse a respeito do legado de Auschwitz. Theodor Adorno, um dos principais expoentes da Escola de Frankfurt, foi responsável pelo célebre juízo de que fazer poesia depois de Auschwitz seria um “ato bárbaro”. Primo Levi, ao contrário, defendia a ideia de que depois de Auschwitz, é impossível não fazer poesia a respeito. Imre Kértez, também ele um sobrevivente de Auschwitz e Premio Nobel de literatura em 2002, definiu o Holocausto como um “estado de espírito”.

São vários, portanto, os juízos sobre a sombra projetada pelos campos da morte sobre a posteridade. O encontro que, a 27 de janeiro de 2015, a Biblioteca Nacional realiza tem por objetivo, além do desejo de fixar nossa atenção sobre a data, refletir sobre a sombra mencionada e sobre a condição mesma de viver em estado de trégua. Um estado que abriga questões liminares e extremas: trauma, verdade, limites e recursos da linguagem e da representação, memória, transmissão, testemunho e a “forma de vida dos humanos”. Por caminhos distintos, tais temas serão considerados pelos participantes da mesa, pelos ângulos da arte, da estética, da psicanálise e da filosofia moral e política. [Renato Lessa]

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